CRÍTICA | Abençoados pelo Mal


O anticristo segundo :RickDon.

Abençoados pelo Mal
Crítica por kiko@bom

Todos os autores têm, eventualmente, de se tornar artistas. É condição fundamental para compreender o mundo e representá-lo duma forma qualquer. A beleza do cinema (do audiovisual, permitam-me) é a capacidade dos argumentistas e diretores de representar o mundo hipotético numa caixa de «eventuais». Ninguém quer saber se a história é verídica, se é mentira, propaganda política ou uma ideia ridícula que veio à cabeça do escritor no duche. O foco está na representação e ao contrário da literatura, onde os escritores se queixam vulgarmente de não conseguirem desenvolver uma história a partir de algo que não têm conhecimento, o cinema atribui um género de bênção aos autores. E o título do novo filme de :RickDon é curiosamente irônico. 

O filme inicia-se por quase se auto-declarar como um terror anticristo mas ao longo dos seus dez minutos o diretor (que também partilha os louros de roteirista) guia a trama para um sentido mais melodramático Shakespeariano no que toca às emoções dos personagens. Além de perder a essência do horror psicológico que com certeza incomoda muitos teocentristas, :RickDon usa a agonia da cidade onde a história se ambienta como o ponto fulcral de desenvolvimento. O desaparecimento em série de jovens sem razão aparente traz aos cidadãos da metrópole um desespero particular. A comparação efetiva a Golden's Peak não é descabida, já que a história partilha muito da sua identidade criativa com a obra de ..::PeDR0::.. em vários aspetos, retirando uma cidadania pessoal ao filme.
Mas não impede, contudo, :RickDon de desenvolver algo próprio, até porque, como escritor, é bastante paricular — o terror, que foi desde o início a premissa e que se entranha levemente na forma de encaminhar a trama, a autodeterminação de personagens como Shelley, embora melodramática, é original no contexto em que é tratada. A necessidade de se afirmar perante uma sociedade amedrontada por rumores como mulheres de negro que raptam pessoas, acaba também por justificar o desaparecimento de Ingrid, personagem principal. E além de personagens como Shelley serem as mais interessantes a nível psicológico por, justamente, essa auto afirmação num meio hostil, :RickDon acerta bem no tom de terror; as cenas mais bem executadas são, sem dúvida, onde o bizarro (e eventualmente ridículo) aparece sem aparente explicação. Mas essa mitologia tétrica (apoiada de uma edição boa de cortes atempados, com uma fotografia inteligente) constitui, lamentavelmente, a única positividade no episódio.

Até porque visualmente o filme também erra — embora a fotografia e a edição sejam bons, a direção em geral (principalmente de atores) não faz jus ao restante. Além da arte não extrapolar o razoável, fundamentalmente graças à ambientação do filme ser muito casual, sendo que, excecionalmente, o diretor entrega algo mais interessante (principalmente nas cenas que envolvem o culto), os efeitos especiais, quase todos feitos em set, são pobres e repetem os fantasmas do terror habbiano (principalmente o d'O Chamado de Samara) sendo que Abençoados pelo Mal poderia se definir e criar um estilo mais próprio — esse terror/horror psicológico que envolve temas mais religiosos é, além de inovador, uma possível aposta futura da Pixel Movies. 

Ademais, mesmo com alguns pontos positivos, nesse momento, Abençoados pelo Mal peca muito: peca em não se definir como filme de gênero, peca em achar que compreende a filosofia religiosa (manifestamente ridicularizada), peca em não fazer de si mesmo arte; peca em fazer o que já foi feito — e melhor.


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